Antoine Exupéry perto do avião que caiu no Deserto do Saara em 30 de Dezembro de 1935
Estou lendo “A terra
dos homens” de Antoine de Saint-Exupéry...que livro!! As histórias têm por contexto
a segunda guerra mundial, tempo de pessoas intrépidas, que viviam arriscando
suas vidas como algo do dia-a-dia. Período onde a Lei não coibia abusos
laborais e parecia que as pessoas não os viam dessa forma, e sim como desafios
à serem enfrentados.
É um livro de cunho
autobiográfico, pois Exupéry começou sua carreira de piloto de linha voando
entre Toulouse, Casablanca e Dacar e realmente ajudou a implantar rotas de
correio aéreo na África, América do Sul e Atlântico Sul. Percebemos a
veracidade desses fatos pela maneira como descreve em detalhes as privações da
sede no deserto à beira da morte, como é estar com pessoas que estão indo para
o front, entre outras experiências únicas e difíceis de viver.
Ele realmente era destemido e aberto a experiências encantadoras, como em
um dos trechos abaixo.
“Obrigado a descer,
de outra feita, em uma região de areia espessa, esperava a madrugada. As
colinas de ouro ofereciam à lua suas vertentes luminosas, e as vertentes de sombra
subiam até os limites da luz. Naquela paisagem deserta de sombra e lua, reinava
uma paz de trabalho suspenso e também um silêncio de cilada. No seio desse
silêncio, adormeci.
Quando despertei, vi
apenas a bacia do céu noturno, porque eu me havia estirado sobre um monte, os
braços em cruz. O rosto voltado para aquele aquário de estrelas. Sem
compreender ainda o que via, sem saber em que profundeza mergulhava os olhos,
fui presa de uma vertigem, sem uma raiz a que me agarrar, sem um teto, um ramos
de árvore entre mim e aquela profundeza, solto, largado na queda como um
mergulhador.
Mas não caí. Da
cabeça aos pés, estava ligado à terra. Sentia uma espécie de apaziguamento,
abandonando-lhe o meu peso. A força da
gravidade me aparecia, de repente, soberana como o amor.
Sentia a terra escorar meus rins,
sustentar-me, erguer-me, trasnportar-me no espaço noturno. Descobri-me ligado
ao meu astro por um peso semelhante a esse peso que na curva nos liga a um
carro, e gozei esse estreitamento admirável, essa solidez, essa segurança.
Adivinhei, sob o meu corpo, a curva de meu barco.
Tinha tão perfeita a
consciência de estar sendo transportado que teria ouvido sem surpresa subir do
fundo das terras a lamentação dos materiais que se reajustam no esforço, o
gemido dos velhos veleiros que se chegam ao ancoradouro, o longo, áspero grito
das lanchas aflitas. Mas o silêncio continuava na espessura das terras. Mas
aquele peso de meu corpo, aquele peso em meus ombros eu o sentia harmonioso,
nobre, eternamente uniforme. Eu sentia bem que habitava esta pátria, como os
corpos dos forçados das galés, mortos, com seu lastro de chumbo, habitavam o
fundo dos mares.
Meditava sobre a
minha condição, perdido no deserto e ameaçado, nu entre a areia e as estrelas,
afastados por um longo silêncio dos polos de minha vida. Sabia que haveria de
gastar, para voltar às minhas terras, dias, semanas, meses, se nenhum avião me
encontrasse, se os mouros não me massacrassem no dia seguinte. Não possuía mais
nada no mundo. Era apenas um mortal perdido entre a areia e as estrelas,
consciente da única doçura de respirar...”
Hoje em dia
dificilmente encontraremos pessoas com fibra similar aos “personagens” que
viveram aquelas aventuras e vicissitudes, e o mais importante é tentar
alimentar em nós uma atitude corajosa e entusiasmada diante da vida.
O que mais me
emociona, e sei que raramente encontrarei em outros autores, é o talento em
descrever tudo isso pelo modo filosófico, sensível e posso dizer, espiritual.
Há uma verdade humana no fundo de cada história, conectada a algo universal e
sagrado. E ao longo da leitura vou grifando cada pérola sensível e poética,
querendo absorver mais do que minha percepção alcança pois antevejo a riqueza
de algo que talvez ainda não consiga enxergar.
É o tipo de livro
para se reler de tempos em tempos pois em cada momento diferente de nossas
vidas conseguiremos captar novos tesouros.
“Temam menos a morte
e mais a vida insuficiente” (Berthold Brecht)
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