segunda-feira, 8 de maio de 2023

 

Antoine Exupéry perto do avião que caiu no Deserto do Saara em 30 de Dezembro de 1935


 “ O império do Homem é interno.” (Antoine de Saint-Exupéry) 


Estou lendo “A terra dos homens” de Antoine de Saint-Exupéry...que livro!! As histórias têm por contexto a segunda guerra mundial, tempo de pessoas intrépidas, que viviam arriscando suas vidas como algo do dia-a-dia. Período onde a Lei não coibia abusos laborais e parecia que as pessoas não os viam dessa forma, e sim como desafios à serem enfrentados.

É um livro de cunho autobiográfico, pois Exupéry começou sua carreira de piloto de linha voando entre Toulouse, Casablanca e Dacar e realmente ajudou a implantar rotas de correio aéreo na África, América do Sul e Atlântico Sul. Percebemos a veracidade desses fatos pela maneira como descreve em detalhes as privações da sede no deserto à beira da morte, como é estar com pessoas que estão indo para o front, entre outras experiências únicas e difíceis de viver.

Ele realmente era destemido e aberto a experiências encantadoras, como em um dos trechos abaixo.

“Obrigado a descer, de outra feita, em uma região de areia espessa, esperava a madrugada. As colinas de ouro ofereciam à lua suas vertentes luminosas, e as vertentes de sombra subiam até os limites da luz. Naquela paisagem deserta de sombra e lua, reinava uma paz de trabalho suspenso e também um silêncio de cilada. No seio desse silêncio, adormeci.

Quando despertei, vi apenas a bacia do céu noturno, porque eu me havia estirado sobre um monte, os braços em cruz. O rosto voltado para aquele aquário de estrelas. Sem compreender ainda o que via, sem saber em que profundeza mergulhava os olhos, fui presa de uma vertigem, sem uma raiz a que me agarrar, sem um teto, um ramos de árvore entre mim e aquela profundeza, solto, largado na queda como um mergulhador.

Mas não caí. Da cabeça aos pés, estava ligado à terra. Sentia uma espécie de apaziguamento, abandonando-lhe o meu peso.  A força da gravidade me aparecia, de repente, soberana como o amor.

 Sentia a terra escorar meus rins, sustentar-me, erguer-me, trasnportar-me no espaço noturno. Descobri-me ligado ao meu astro por um peso semelhante a esse peso que na curva nos liga a um carro, e gozei esse estreitamento admirável, essa solidez, essa segurança. Adivinhei, sob o meu corpo, a curva de meu barco.

Tinha tão perfeita a consciência de estar sendo transportado que teria ouvido sem surpresa subir do fundo das terras a lamentação dos materiais que se reajustam no esforço, o gemido dos velhos veleiros que se chegam ao ancoradouro, o longo, áspero grito das lanchas aflitas. Mas o silêncio continuava na espessura das terras. Mas aquele peso de meu corpo, aquele peso em meus ombros eu o sentia harmonioso, nobre, eternamente uniforme. Eu sentia bem que habitava esta pátria, como os corpos dos forçados das galés, mortos, com seu lastro de chumbo, habitavam o fundo dos mares.

Meditava sobre a minha condição, perdido no deserto e ameaçado, nu entre a areia e as estrelas, afastados por um longo silêncio dos polos de minha vida. Sabia que haveria de gastar, para voltar às minhas terras, dias, semanas, meses, se nenhum avião me encontrasse, se os mouros não me massacrassem no dia seguinte. Não possuía mais nada no mundo. Era apenas um mortal perdido entre a areia e as estrelas, consciente da única doçura de respirar...”

Hoje em dia dificilmente encontraremos pessoas com fibra similar aos “personagens” que viveram aquelas aventuras e vicissitudes, e o mais importante é tentar alimentar em nós uma atitude corajosa e entusiasmada diante da vida.

O que mais me emociona, e sei que raramente encontrarei em outros autores, é o talento em descrever tudo isso pelo modo filosófico, sensível e posso dizer, espiritual. Há uma verdade humana no fundo de cada história, conectada a algo universal e sagrado. E ao longo da leitura vou grifando cada pérola sensível e poética, querendo absorver mais do que minha percepção alcança pois antevejo a riqueza de algo que talvez ainda não consiga enxergar.

É o tipo de livro para se reler de tempos em tempos pois em cada momento diferente de nossas vidas conseguiremos captar novos tesouros.

“Temam menos a morte e mais a vida insuficiente” (Berthold Brecht)


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